Radar: Autoridades parisienses e controle dos serviços de saneamento 

2011-03-14 16:43:56

A luta pela gestão pública da água pode ser ganha - em Cochabamba, Paris ou Jacarta - se for obtida participação dos usuários e os cidadãos. Como autoridades locais e públicas, devemos dar exemplo e estabelecer uma gestão eficaz deste recurso tão frágil e imprescindível.



A cidade de Paris conta atualmente com 2,2 milhões de habitantes (1), além de mais de um milhão de pessoas que vão à cidade trabalhar todos os dias. Dispõe também de uma segunda rede de água não potável - um caso único no mundo - que é utilizada para limpar as ruas e regar as plantas da via pública, cujo consumo médio é de 170.000 metros cúbicos por dia. Em 1985, Jacques Chirac, então prefeito de Paris, decidiu confiar a distribuição da água ao setor privado (2). Até então, a produção e distribuição da água, com a única exceção do faturamento, dependiam da gestão direta da cidade. Ao delegar a distribuição a empresas privadas, Chirac deu o primeiro passo para o desmantelamento deste serviço público que funcionava assim há décadas. Dois anos depois, em 1987, se estabeleceu uma sociedade de economia mista (SEM) para se encarregar da produção,

A Prefeitura também outorgou à SEM o controle dos distribuidores privados, mesmo esses distribuidores fazendo parte da junta de administração da SEM. Deste modo, foi criado claro conflito de interesses.

Logo três empresas concessionárias privadas contavam com o controle absoluto de toda a produção e distribuição de água de Paris, uma situação que se prolongou durante quase 25 anos. Em relação à distribuição foram concedidos dois contratos de arrendamento de 25 anos - sem licitação pública - para cada uma das margens do Rio Sena. A Compagnie des Eaux de Paris, filial da companhia Générale des Eaux (grupo Veolia), obteve a responsabilidade de gerir a margem direita, ao norte do Sena; Eau et Force Parisienne des Eaux, filial de Lyonnaise des Eaux (grupo Suez), ficou com encargo da margem esquerda.

Houve mudanças quando a esquerda obteve maioria na Prefeitura de Paris, em 2001. Depois de décadas de controle da direita na Câmara Consistorial, as eleições municipais deram a vitória a uma coalizão de esquerdas que reunia socialistas, comunistas, verdes e outros setores. Uma nova equipe municipal, encabeçada pelo prefeito Bertrand Delanoé, decidiu rever por completo o serviço de água de Paris.

Esta equipe não tardou em se dar conta de que havia uma total falta de controle sobre a 'delegação' dos serviços do setor público, assim como sobre o suprimento de ditos serviços. Havia nebulosidade financeira e nenhum controle sobre as obras que estavam se realizando.

Foi decidido, antes de mais nada, restaurar as competências dos organismos de fiscalização da cidade para garantir um mínimo poder de mando e começar assim a retomar o controle dos serviços. Quando chegou o momento de renegociar os contratos com as concessionárias privadas, em 2003, o município exigiu que fosse feita uma série de obras importantes, para as quais as empresas em questão haviam reservado fundos consideráveis, mas que nunca havia saído do papel.

Com isto ficou claro que, ainda que o governo municipal se esforçasse por ser exigente nas negociações com as concessionárias, suas margens de manobra eram relativamente pequenas devido ao regramento em vigor da gestão delegada. Para definir qual poderia ser o melhor serviço de água para Paris, foram realizados estudos jurídicos, econômicos e técnicos e uma consulta entre todos os trabalhadores da água de Paris sobre a organização do serviço (tanto sobre questões técnicas como de gestão de pessoal e de patrimônio).

As eleições municipais de 2008 ofereceram a Bertrand Delanoé, candidato à reeleição, a oportunidade de comprometer-se diante dos cidadãos a recuperar a gestão pública integral da água em caso de que voltasse a ser eleito para a Prefeitura. E foi o que aconteceu. Já que o fim dos contratos de concessão estava previsto para 2009, era necessário reestruturar todo o sistema em apenas um ano e meio.

Muitos pensaram que o compromisso do prefeito de Paris era só uma pro mesa eleitoral. Até o final, inclusive as próprias empresas privadas estavam convencidas de que a prefeitura parisiense nunca levaria adiante seu compromisso. As negociações entre estas empresas e a Prefeitura - que abrangiam um grande número de temas, como o de pessoal, os sistemas de informação, os bens imóveis, os bens reversíveis e os hidrômetros, entre outros - foram mais ou menos difíceis segundo o caso. Embora as empresas privadas não tenham obstaculizado a remunicipalização, tampouco a facilitaram e, em algumas ocasiões, retiveram a informação.

Será a gestão pública mais eficiente do que a privada?

Ainda é cedo para fazer um balanço geral, já que a empresa pública só está funcionando desde o 1° de janeiro de 2010. Entretanto, já se podem observar as primeiras vantagens oferecidas pela gestão pública. Em primeiro lugar, os ganhos financeiros gerados pela reforma, que serão totalmente reinvestidos no serviço de água. Calcula-se que os benefícios iniciais se situam atualmente em torno de ¢35 milhões por ano; podendo ser mais.

A reforma permitirá estabilizar o preço do serviço de água de Paris a um nível inferior ao da média nacional. A conta de água dos parisienses inclui vários componentes: o abastecimento de água, o esgotamento sanitário e os impostos. O componente da água havia aumentado 260% desde a privatização do serviço, em 1985. Agora custa ¢1,00 por metro cúbico.

A volta da empresa pública de Paris deixa à vista uma importante fissura na vitrine comercial das multinacionais francesas da água. Os representantes da Suez e Veolia admitem: a perda do mercado parisiense os prejudica, do ponto de vista financeiro, mas também de imagem. Estas empresas apresentavam em todo o mundo a gestão da água de Paris como um modelo a seguir. Agora, já não podem fazê-lo. As empresas se queixam de que a decisão teria um impacto negativo em suas atividades no mercado internacional.

Rede de operadores públicos

Em 2009, foi criada em Paris a Aqua Pública Europeia, uma rede de operadores públicos de água europeus, por iniciativa de vários grupos, entre os quais está Água de Paris. A rede aglutina atualmente operadores italianos, belgas, franceses e suíços; operadores espanhóis e alemães estão em processo de adesão.

A luta pela gestão pública da água pode ser ganha - em Cochabamba, Paris ou Jacarta - se for obtida participação dos usuários e os cidadãos. Como autoridades locais e públicas, devemos dar exemplo e estabelecer uma gestão eficaz deste recurso tão frágil e imprescindível.

|1| Para cobrir as necessidades de todas estas pessoas, é distribuída uma média de 550.000 metros cúbicos de água diários.
|2| com um contrato de concessão de 25 anos.

Autora

Anne Le Strat é assessora do prefeito da cidade de Paris e responsável pela gestão do saneamento; é também presidenta da empresa pública Eau de Paris e da rede Aqua Pública Europeia.

O artigo original está escrito em francês.

Fonte: Água Online

Leia também:

Lançamento oficial do Comitê Gaúcho em defesa da água pública dia 18. Participe!

Compartilhe em todas as redes!

Share by: